Darwinismo (ou evolucionismo, como queiram) não é ciência. Nem darwinismo nem qualquer outra inferência metafísica extraída do pressuposto positivista, em si mesmo correto como mero preceito metodológico, de que a investigação científica não DEVE ultrassar os limites do que pode ser matematica e experimentalmente observado. Fazer tal inferência é o mesmo que incorrer na falácia naturalista de concluir sobre o que é a partir do que deve ser, reduzindo-se, em contrapartida, a normatividade moral ( o domínio transcendente dos valores) ao factual (o domínio imanente do empírico).
Que a ciência ou o ideal de demonstração de tudo que é humanamente cognóscível não abarque todos os valores e, portanto, não dê conta de toda a realidade desautoriza, como algo ilegítimo, qualquer tentativa de expulsar a religião do horizonte da cultura humana, tanto quanto é insano fazer da religião mero pretexto para desqualificar os demais planos da vida contemplativa, o que ocorre quando ela, a religião, é tida como um objeto entre outros(profanação do sagrado decorrente da divinização do banal) a suscitar a curiosidade científica.
Mas quando digo que o referido pressuposto positivista é metodologicamente correto, limito essa afirmação às ciências naturais, porque, no âmbito das "ciências do espírito" e da filosofia, a religião, com toda sua carga de simbolismo e sua inequívoca contribuição para a formação moral do homem, tem pleno direito de cidadania. Isto significa que reconhecer o importante papel da religião na formação moral e espiritual do homem é dispensá-la, junto com a ciência, da tutela estatal, que é pura idolatria da sociedade e, in limine, eclosão violenta de ideologia totalitária às expensas da liberadade individual. É também reconhecer a autonomia do homem e sua vida interior e, portanto, o próprio princípio da verdadeira educação liberal. (Nunca houve, a não ser na cabeça de gente burra e iletrada, incompatibilidade de princípio entre fé e razão).
Recusar esse princípio é sancionar ao positivismo científico o direito de absorver toda a cultura humana, perigo sempre iminente em um mundo dominado pela técnica e pela megalomania (ideologicamente escamoteada) do planejamento social. Em tal caso, a matéria, que é o conceito da totalidade dos objetos dos sentidos e, portanto, uma parte exígua da realidade, é identificada com a totalidade do real (materialismo), identificação que levaria inevitavelmente à negação da transcendência assim como á idéia de que o homem é um subproduto da natureza (epifenômeno do mundo visível imaginado à maneira de uma máquina) e esta, a realidade suprema, subsistente em si e por si, o que tornaria uma vã pretensão a necessidade metafísica de um Deus criador e excluiria a "possibilidade" (garantida,do ponto de vista lógico-formal, pela simples ausência de contradição interna no conceito do objeto) de qualquer intervenção sobrenatural no curso dos acontecimentos.
Se a filosofia tem um caráter arquitetônico e diretor (ao menos, no plano espiritual), como Aristóteles já admitia acerca da "ciência política" (síntese das virtudes ética e dianoéticas com a arte legislativa) em relação às demais ciências e artes e como já deixa entrever o fato mesmo de a reflexão filosófica ter emergido do pensamento mítico (religioso,o que quer dizer essencialmente simbólico) e, em linha de continuidde, forjado o ideal de demonstração (traço distintivo da ciência, da episteme), então não tem sentido algum uma educação laica, caso se entenda aqui por "laicismo" uma tática da militância política que visa a varrer todo vestígio de cristianismo da face da Terra, tática essa definida pela estratégia revolucionária de demolir as bases culturais (greco-romana e judáico-cristã)da civilização ocidental, servindo-se, ademais, da hegemonia positivista (a meu ver, uma degeneração da filosofia, uma metafísica moldada à imagem e semelhança da mentalidade atéia e impetuosamente revolucionária, mas, infelizmente, também um testa-de-ferro ideológico que encontra boa acolhida no meio acadêmico pela plasticidade que lhe permite acomodar-se ao modismo intelectual do momento) como força motriz que, desde o séc. XVII, assumiu o monopólio dos frutos da pesquisa empírica e vem respondendo pelo "progresso" da humanidade apenas e tão-somente com as "luzes da razão"... por supuesto, of course.
Vale ainda chamar a atenção para a equivocidade do termo "positivismo", com o qual são jogados num mesmo balaio de gatos pensadores tão díspares quanto Kant, Comte, Carnap (e os demais representantes do "positivismo lógico"), Kelsen (no âmbito da filosofia do direito), Popper, Kuhn... mais qualquer boçal que, sob pretexto de combater a metafísica e insistir em sua "superação", converte a ciência numa causa e subverte a vida contemplativa em militância, como se a apologia do discurso científico (via de regra, meros cacoetes verbais emoldurados por um jargão pedante e semanticamente oco, quiçá contraditório) para fins de proselitismo político (por exemplo, a cruzada de Dawkins contra o cristianismo) já se constituísse, de per se, na demonstração de alguma tese de alto poder explicativo, sustentável apenas por quem é realmente movido pelo amor à verdade. Presunção que passa a mil léguas de distância da sinceridade ( pois é pura mis-a-scene) no caso daqueles que, sem nenhuma contribuição significativa em qualquer área de conhecimento, confundem levianamente o "falar" da ciência (no fundo mera pregação ideológica, própria da liturgia revolucionária e da tagaralice jornalística) com investigação estritamente teórica da realidade, isto é, conduzida com rigor conceitual a partir de sólidos princípios metodológicos, que só se justificam ou se fazem plenamente inteligíveis do ponto de vista metafísico.
Prova disso, por exemplo, é oferecida por estudantes e professores de História, que, para dar ares de vida intelectual elevada ao fato mesmo de que estão comprometidos até a medula com a "transformação da realidade", polarizam todo debate epistemológico em torno do saber historiográfico com duas miseráveis alternativas: marxismo e positivismo, esta última, estrategicamente, identificada com o modo de pensar "burguês", "dogmatismo cego, autoritário e intransigente", porque interessado somente em esconder a "exploração do homem pelo homem" que alimenta a "acumulação de capital", enquanto a primeira assinalaria uma postura "crítica" e "imparcial", única capaz de "revelar" a verdade histórica suprema por trás das aparências da alienação: a luta de classes.
Nesse sentido, posso dizer também que "criacionismo", como luta ideológica contra o imperialismo cultural positivista e reação ao darwinismo, também não é religião.