9 de novembro de 2007

Pérolas do bobesponjismo

O bobesponjismo é uma vertente do pensamento contemporâneo segundo a qual trabalhar com prazer e entusiasmo, sem ficar o tempo todo reclamando do salário, cultivar o bom humor e a política da boa vizinhança entre colegas e clientes, assim como cumprir os deveres profissionais e tratar todos, independentemente de sua condição social, com cortesia e respeito, constituem-se no aporte ideológico da estratégia mais sórdida já imaginada para persuadir as crianças de que é possível ser pobre (materialmente falando) com honestidade e honradez.
De acordo com o proponente dessa filosofia, Sir Wilker de Jesus Lira (errata: perdoem-me os paraenses, mas o nosso Nietzsche da transvaloração infantil é do Amapá), todas as crianças são vítimas indefesas da "ideologia capitalista", que se serve da propensão lúdica delas para transformá-las em perfeitos trabalhadores fordistas. Lembrem-se, pais, se seu filho ficar esperneando num Shopping Center por causa de um Big Mac ou um Playstation, a culpa é daquela esponja quadrada que habita o fundo do mar. Muito cuidado, mas muito cuidado mesmo, pais, porque este e outros aparentemente ingênuos desenhos animados podem, no futuro, levar seu filho a ser um mega-investidor da bolsa de Nova York, retribuindo-lhes o amor e a educação proporcionados, com um conforto que vocês nunca sonharam alcançar, quando, todos sabem (né, Wilker?), os pais querem mesmo é que os filhos passem num concurso do Banco do Brasil, tornem-se líderes sindicais e, quem sabe, cheguem à presidência do país ou, pelo menos, façam parte do alto escalão do PT.
Eis um pequeno excerto da obra capital de Wilker de Jesus Lira, onde se pode observar uma fina aplicação do método dadá-dialético e pedierístico da filosofia bobesponjista:
"Bob Esponja nunca reclama dos salários, a não ser quando é incitado a isso por Lula Molusco. No episódio Squid´s Strike, Bob chega a pagar a seu Sirigueijo para trabalhar. Em um outro episódio chamado Just one bite – só uma mordidinha - (HISTÓRIAS... 2003) Bob chega às 3 da manhã para trabalhar; Lula Molusco, que se encontrava lá na esperança de comer um hambúrguer escondido de Bob Esponja, pergunta a ele o que estava fazendo ali e Bob responde que sempre chegava para trabalhar aquele horário. Fica evidente aí a dedicação de Bob Esponja Calça-quadrada ao trabalho, dedicação esta, independente do que recebe para trabalhar; também fica evidente sua admiração pelo chefe. Que capitalista rejeitaria um empregado como Bob Esponja? Ele jamais se importaria em não receber salários, seu prazer é o trabalho e nele estaria dedicado 24 horas por dia se fosse necessário. A hora de começar a trabalhar é o momento mais feliz para ele. Quando o dia acaba, ao contrário, é o momento mais triste, já que tem que parar de trabalhar, como se vê em sua fala no episódio Sirigueijo nasce de novo: “Hora de fechar, a hora mais triste do dia.” (HISTÓRIAS... 2003). Ou no episódio Como na TV (O NATAL... 2002), ao acordar: “Hora de fazer a minha coisa predileta no meu local predileto.” Sua coisa predileta é o trabalho de fazer hambúrgueres e seu local predileto é o local de trabalho. Bob Esponja é feito para ser engraçadinho, para cativar as crianças, é com ele que elas tendem a se identificar, é a ele que elas tendem a imitar; ele e seu jeito de ser, sua dedicação ao trabalho, sua dedicação ao patrão capitalista. Por outro lado, Lula Molusco, o vizinho de Bob Esponja e também é seu colega de trabalho, é uma espécie de antagonista de Bob. Lula é o caixa da Lanchonete, enquanto Bob Esponja está sempre de bom humor, comemora até mesmo as desgraças, Lula sempre está reclamando de tudo, não trabalha nada além do estritamente necessário e faz de tudo para viver longe de Bob Esponja. Lula molusco toca clarineta, mas é um péssimo músico, seus acordes são sempre desafinados. Às vezes toca bem, mas quando isso acontece, logo descobre-se que estava apenas fingindo tocar enquanto um disco com a música verdadeira faz soar a melodia perfeita (O NATAL de Bob Esponja, 2002). Ele não chega a ser um vilão, mas foi criado para ser tudo aquilo que Bob Esponja não é. Despreza o trabalho e só faz o estritamente necessário, recusase a servir os clientes após o horário do expediente e está sempre reclamando dos salários. Lula Molusco também é o personagem criado para que as crianças não se identifiquem com ele: “Lembre-se, nenhum empregado quer ser o Lula Molusco.” (VIDEO de treinamento do Siri Cascudo). O antagonismo entre os personagens fica evidente o tempo inteiro. Da parte de Bob Esponja, este está sempre procurando agradar a Lula Molusco, sempre o chama de amigo; entretanto, Lula Molusco faz questão de deixar em evidência seu desprezo por Bob Esponja, sempre procurando fugir dele em suas horas de folga. Entre esses dois personagens, fica evidente que Bob Esponja é o personagem ideal para que as criancinhas se identifiquem com ele; enquanto Lula Molusco é feito para que as crianças não o queiram imitar, pois não é só o fato de ser um empregado não dedicado, mas ele também é um personagem criado para parecer chato, é como o Gastão das histórias de Disney, e a respeito dele, dizem Dorfman e Mattelart (1980, p. 98) “o repúdio que o leitor sente por Gastão, e a simultânea fascinação, servem para ensinar a necessidade do trabalho para ter direito ao divertimento e o repúdio aos jovens (norte-americanos do após-guerra que conseguiram tudo sem esforço e nem sequer sabem agradecer).” Também é evidente o repúdio que as criancinhas sentirão por Lula Molusco, entretanto, mesmo sendo chato, mesmo sendo o personagem que com o qual as crianças não se identificarão; Lula Molusco trabalha, cumpre as ordens do patrão, apenas não o faz com prazer, mas o faz." (O merchandising..., pp 24-25)