"A não resistência ao mal repugna profundamente à nossa natureza. Mas Jesus veio ao mundo para que a nossa alma aprendesse a desgostar de tudo o que lhe agrada hoje e a amar o que antes odiava. Todas as suas palavras supõem esta renovação total do espírito humano. Contradizem ousadamente os nossos mais profundos instintos e as nossas mais comuns inclinações. Louvam o que se evita, condenam o que todos ambicionam.
Desmentem não somente os ensinamentos do homem (que por vezes estão em contradição com o que eles mesmos pensam e fazem), mas se opõem aos seus pensamentos e atos quotidianos.
Jesus não crê no aperfeiçoamento da alma natural, da alma primitiva. Crê na sua perfeição futura, que só será atingida pela destruição radical do estado presente. Sua missão é a reforma do homem; mais que a reforma, a sua restauração. Com ele começa a nova raça; ele é o modelo, o arquétipo, o Adão da humanidade remodelada e refundida. Sócrates pretendeu reformar a razão; Moisés, a lei; outros se contentaram com modificar um rito, um código, um sistema, uma ciência. Jesus, porém, não quer modificar uma parte do homem, mas o homem, da cabeça aos pés: o homem interior, motor e origem das palavras e das ações. Nada pois está fora do seu poder. Não tem que fazer concessões prudentes ao mal, nem compromissos com a natureza impefeita; nem procurará para ela, como os demais filósofos, justificações especiosas. Não se pode servir à natureza e Jesus, ao mesmo tempo. Quem está com Jesus é inimigo da velha natureza bestial e trabalha pela vitória da natureza angélica. Tudo o mais são poeira e palavras inúteis"
(Giovanni Papini)
Poder-se-ia perguntar: como Jesus opera tal milagre, tal conversão radical, tal revolução interior, que faz novo o homem velho? Com discursos sistematicamente elaborados segundo os mais eficazes preceitos da retórica? Pelo proselitismo político e apoio dos poderosos? Recorrendo a uma sabedoria ancestral? Mais: será que essa perfeição divina é humanamente factível? Será que ela não passa de um ideal insano, tão elevado que só poderia ocorrer ao louco da Galiléia?
Perguntas razoáveis, mas que indicam já a extrema ignorância que nós, pobres mortais, ostentamos como o supra-sumo da racionalidade, ceticismo de todo inútil perante o que não comporta nenhuma certeza apodítica. A ciência, demasiadamente humana, não nos pode arrancar do poder deste mistério, o mistério da redenção, ersatz mais palpável para o único problema, metafísico por excelência, que nos concerne: quem sou eu ou o que significa existir?
Jesus é a certeza pregada na cruz, luminosa para o homem novo, de nossa origem sobrenatural, o vento supra-sensível que nos enche de amor e nos purifica da poeira deste mundo, o caminho pelo qual retornaremos aos braços do Pai, verdade compreensível apenas por aqueles que, como Jesus, querem morrer (para este mundo) por terem a certeza moral de ressuscitar, antecipando, no aqui e agora, a felicidade celestial.
A fé em Jesus é simplesmente a recepção, absolutamente livre (o que equivale à transformação radical operada por Jesus), das palavras de Simão Pedro "Tu és Cristo,o Filho de Deus. Tuas palavras são palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que tu és o Santo de Deus"
A imitação do Deus sofredor é a árdua caminhada para a salvação eterna, mas a perdição deste vale de lágrimas, com tudo que outrora nos agradava. Quem ama os inimigos odeia esta vida e é digno da dor expiatória; quem se esforça por agir como Cristo agiu torna-se verdadeiro discípulo e, assim, une-se a Ele na corrente da morte redentora, demonstrando, como nenhuma ciência, exceto a ciência do amor, pode fazer, a verdade da cruz, pois, como Exempel,
"as verdades escritas com sangue duram na memória incerta do gênero humano" (Giovanni Papini)
Na ciência do amor, no conhecimento das leis de Deus, toda a existência humana, aquilo que reputamos o mais natural, é um milagre, e o que a sabedoria deste mundo ( que é "loucura diante de Deus") toma como uma impossível excessão às leis físicas é a verdadeira natureza. A fé em Cristo Jesus nos aproxima do Bem e nos afasta do Mal, fé sem a qual o conhecimento de ambos, o peccatum originale, produz o oposto.