Não há perigo de saturação do mercado cultural; quanto mais idéias na praça, as bichadas irão inevitavelmente para lata do lixo da história (isto é, no Brasil, ficarão confinadas à Academia, esse Trust marxista que parece uma gigantesca feira do Caruaru para camelôs do pensamento) e as boas idéias continuarão, caso incompatíveis entre si, a se digladiarem no palco aberto do livre debate, de cujas regras quem goza das faculdades mentais e possui um mínimo de probidade intelectual é capaz de apreensão imediata, não podendo em hipótese alguma abrir mão, mas quem ainda acha possível reerguer o muro de Berlin faz pouco caso. Só num país de gente desmiolada o confronto teórico pode ferir suscetibilidades ou até tornar-se caso de polícia, situação ridícula quede agora em diante, infelizmente, ficará submetida ao escrutínio do monopólio estatal dos meios de comunicação. Estes, os nossos sociólogos, comunicólogos e outros experts já haviam proclamado ser um instrumento imbatível de propaganda política (como se Hitler e Lênin não soubessem disso) e da manipulação de cérebros fracos (como se a horda de militantes petistas não o fosse). Para indignação das cabeças sutis que desprezam o puro e simples bom senso, vulgo senso comum, os pobres mortais que não tão nem aí com as “mazelas do capitalismo”, ou seja, que tomam uma cerveja em paz sem se preocuparem com mensagens explícitas ou subliminares da publicidade em torno da “loura gelada”, também não são afeitos à desconfiança mórbida dos ideólogos do pensamento crítico, os quais suspeitam de qualquer opinião que contrarie seus padrões mentais, ao ponto mesmo de sequer analisá-las como tais e na sua pretensão de verdade, porque isso lhes imporia o dever moral (que eles não reconhecem, é verdade) de expor as suas próprias opiniões na arena pública, correndo o risco da refutação ou, pior, de ninguém lhes dar ouvidos. Por isso, só a indigência mental dos “pensadores pós-modernos” (estruturalistas, relativistas, pragmatistas, desconstrucionistas e o caralho a quatro) explica o pânico diante da mera possibilidade de verem suas opiniões caídas em descrédito ou acuadas por qualquer tipo de objeção, que, se for levantada, é logo desqualificada sob o pretexto de que quem a coloca esconde “vis interesses mercadológicos” ou, se se preferir, “é pau mandado da zelite reacionária”. Daí também o porquê da hipocrisia de figuras como Marilena Chauí, que, contraditoriamente, execra a censura e defende o debate aberto, com a condição, é claro, de que suas opiniões estejam devidamente a salvo e adquiram o status público de axiomas. Se tal prerrogativa não lhe for concedida, nossa Chiuaua fica a ladrar entre os membros de sua matilha. Mas a confusão premeditada entre publicidade e propaganda pode ser desfeita facilmente. Publicidade é, ipsis literis, tornar algo público, o que é absolutamente necessário tanto à aferição, por outras pessoas, do valor objetivo das nossas concepções (porque o tribunal da consciência muitas vezes se esquece de que, no impasse entre verdade e falsidade, a decisão é puramente teórica) quanto ao reconhecimento público da utilidade de produtos que são postos à venda, o que permite ao consumidor escolher livremente entre as várias mercadorias que assim lhe são apresentadas (porque ninguém é doido o suficiente para queimar dinheiro, exceto o esquerdista, que, não tendo tino algum para o comércio, adora torrar o dinheiro......dos outros). Mas propaganda é um procedimento essencialmente ideológico, pois, tendo eficácia máxima na persuasão das massas e nula no confronto puramente teórico (que não é coisa de assembléia estudantil nem de sindicato docente), é empregado na defesa ou ataque de causas (respectivamente, daquelas etiquetadas com o selo “popular” e daquelas encapadas pela “burguesia”) , com o propósito de obnubilar a mente do indivíduo, de modo a dirigir a sua vontade a ações radicais que, se estivesse sob o mando exclusivo da razão, ele certamente não praticaria. Em suma, propaganda é, dentro de qualquer projeto revolucionário ou regime totalitário, a eficaz transformação de idéias em instrumento político de veiculação de promessas messiânicas que, pelo seu fascinante moralismo e apelo venal, exercem sobre a burrice militante uma coerção irresistível. Para não me delongar muito e começar a falar besteira, remeto o leitor à obra La Propagande Politique de Jean-Marie Domenach (cê encontra tradução portuguesa disponível na net, acho que no sítio Ateus) , concluindo com duas citações, uma de Kant, outra de Jean-François Revel, e deixando ao leitor que não deseja ser sacoleiro de especiarias de qualidade duvidosa contrabandeadas pelos mafiosos de Caruaru, a liberdade para refletir com calma sobre o assunto:
“A ilustração do povo é a sua instrução pública acerca dos seus deveres e direitos no tocante ao Estado a que pertence. Porque aqui se trata somente de direitos naturais e derivados do bom senso comum, os respectivos arautos e intérpretes no meio do povo não são os oficiais professores de direito, estabelecidos pelo Estado, mas professores livres, isto é, os filósofos que, justamente por causa desta liberdade que a si mesmo facultam, são objeto de escândalo para o Estado, o qual apenas pretende reinar, e difamados, sob o nome de iluministas, como gente perigosa para o Estado. (...) o que [a ilustração do povo por quem não é estafeta do Estado, no caso brasileiro, porta-voz oficial ou agitador popular do governo] não pode ocorrer por nenhum outro caminho a não ser o da publicidade, se um povo inteiro quer apresentar as suas queixas (gravamen). Por isso, a interdição da publicidade impede o progresso de um povo para o melhor, mesmo no que concerne à menor das suas exigências, a saber, o seu simples direito natural”. (KANT, O conflito das faculdade, p. 107, trad. das Edições 70, 1993).
“Uma de nossas idéias preconcebidas mais ingênuas é a identificação, reiterada à saciedade, da propaganda política com a publicidade comercial. Ora, está provado que os dois atos de persuasão nada têm em comum, nem pelas motivações que põem em jogo no psiquismo, nem pelas modificações que produzem no comportamento. Os telespectadores e ouvintes não são loucos: podem perfeitamente comprar cem vezes um creme dental, mas nem por isso deixam de saber que não estão a entregar-lhe o Poder. Todos os trabalhos sociológicos levam, assim, à conclusão que o martelar publicitário desempenha um papel ínfimo na orientação das correntes políticas (nota de pé de página: 1. Jean Cazeneuve, em lês Pouvoirs de la Télevision, Gallimard, 1970, fez um balanço muito claro das pesquisas sociológicas nesta matéria), desde que, entendamo-nos, se possa confrontar a informação” (REVEL, Nem Marx nem Jesus, p. 158, trad. da Editora Artenova S. A., 1973) *
*Para quem não conhece, Revel é o mesmo autor que publicou, já no final da vida, a magistral obra "A obsessão anti-americana", que pode ser adquirida em qualquer livraria decente. "Nem Marx nem Jesus" está, infelizmente, fora de catálogo, podendo, talvez, ser encontrada em sebos. Sugiro aos interessados que façam uma busca no Estante virtual (link neste blog) ou então me solicitem uma cópia, que eu, de bom grado, fornecerei, com a condição, é claro, de que me paguem o custo da xerox e envio postal, pois sou, e não tenho vergonha disso, um mesquinho, embora incompetente, espírito capitalista.