É bem conhecido o fato de Kant ter exercido uma grande e decisiva influência sobre Hans Kelsen, cujo "formalismo" jurídico, tal como encontramos em Reine Rechtslehre, freqüentemente reverbera o que se convencionou chamar de argumento transcendental, sobretudo no que concerne ao estatuto lógico que o próprio Kelsen concede a sua famosa norma fundamental (Grundnorm).
Por isso, é estranho que ele recuse por completo a filosofia moral do chinês de Königsberg, da qual se poderia esperar que fosse extraída, senão a substância, ao menos as diretrizes gerais desse arrojado projeto de determinar os princípios bem como definir o método e o objeto de uma genuína, mas inexistente, ciência do direito. Pois o próprio Kant o precedeu nessa tentativa com a publicação dos "Princípios metafísicos da doutrina do direito", primeira parte da "Metafísica dos costumes", obra que fora concebida em vista da tarefa complementar de inferir as conseqüências da aplicação de máximas universalizáveis ao conceito empírico de natureza humana, de modo a especificá-las - organizando-as num todo hierarquicamente estruturado - sob a forma de um sistema doutrinal de deveres éticos (de virtude) e jurídicos (de justiça).
Tudo indica que essa postura se deve, entre outros motivos, à desconfiança de Kelsen perante a idéia de razão prática, ao fato de ele confundir o imperativo categórico - fundamento supremo de todo dever - com um princípio de justiça (que em Kant assume a forma do imperativo categórico, sendo constitutivo da razão pura, mas dele se distingue por cobrir apenas as condições a priori de uma legislação externa que assegure, na sua relação recíproca, a compatibilidade da liberdade externa de cada com a liberdade de todos) e, mais significativamente, à sua rígida separação entre direito natural e direito positivo. Para Kelsen, este último, na medida em que resulta da atividade legislativa, "não é um fim em si, mas um meio ou, o que redunda no mesmo, uma técnica social específica para a realização dos fins determinados pela política", os quais refletem em larga escala a concepção de justiça (ainda que contraditória e ideologicamente enviesada, não importa) e as presunções morais do legislador.
Portanto, pouco surpreende que aquela influência tenha se dado pelo flanco da filosofia teórica, provavelmente sob o impacto causado pela "Crítica da razão pura" sobre aqueles que, como Kelsen, nutriam preocupações de caráter epistemológico acerca das disciplinas em que obtiveram sua formação acadêmica.
Mas não é supérfluo lembrar aqui que tal influência foi indireta, tendo sido exercida através do neokantismo, mais precisamente pela inusitada combinação de positivismo e idealismo transcendental levada a cabo por Vaihinger. Este desenvolveu o ficcionalismo do "Als Ob" assimilando a lição kantiana do valor regulativo de certos conceitos que, embora destituídos de significação objetiva, são heuristicamente fecundos na formulação e resolução de problemas empíricos, como é o caso das idéias racionais de Deus, finalidade, força de gravitação, espaço absoluto etc.
Pensar que idéias cujo conteúdo carece de qualquer lastro na realidade possam desempenhar um papel relevante na investigação científica, não é nenhuma novidade na história da filosofia. Basta lembrarmos que, antes de Kant, Descartes já havia recomendado e até mesmo empregado construtos imaginários em sua física . Mas dar uma fundamentação filosófica rigorosa a esse expediente de assumir hipóteses manifestamente falsas na busca da verdade, como o fez Vaihinger, é algo que deve exercer um fascínio irresistível sobre eruditos que, por profissão, se dedicam à pesquisa, sobretudo se eles encaram a ciência como uma atividade de resolução de problemas, isto é, uma verdadeira ars inveniendi, que privilegia o momento da descoberta em detrimento da prova dos resultados obtidos, a qual, no fim das contas, não passa de uma mera exposição axiomática.
Não seria de todo implausível, pois, afirmar que, por detrás do ideal kelseniano de uma ciência pura da positividade do direito, se encontra menos a sisuda e barroca filosofia de Kant que a imaginativa e sedutora filosofia de Vaihinger .
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Von
Dr. Hans Eelsen,
a, ö. Professor an der Universität in Wien.
Inhaltsübersicht.
I. Der Begriff der Fiktion und der Gegenstand rechtswissenschaftlicher Er-
kenntnis. Der Widerspruch zur ,, Wirklichkeit". Die Natur-Wirklichkeit und die
Rechts-Wirklichkeit. Die Erweiterung des Vaihingerschen Fiktionenbegriffes.
Echte Fiktionen der Rechtstheorie. Das Rechtssubjekt.
II. Die sogenannten ,, Fiktionen" der Rechtspraxis. Die Pseudofiktionen
des Gesetzgebers. Ihr prinzipieller Unterschied gegenüber den erkenntnistheo-
retischen Fiktionen; Mangel des Erkenntniszwecks und des Widerspruchs zur
Wirklichkeit der Natur wie des Rechtes. Der Art. 347 des Deutschen Handels-
gesetzbuches. Die praesumptio juris. Die prätorischen Fiktionen.
III. Die „Fiktionen" der Rechtsanwendung. Die Analogie. Ihr unkorrigier-
barer Widerspruch zur Rechts-Wirklichkeit und ihre juristische Unzulässigkeit.
Die rechtlich gebotene Analogie.
IV. Rechtstheorie und Rechtspraxis. Die moralische Fiktion der ,, Freiheit".
Ihre Entbehrlichkeit bei Aufhebung des fehlerhaften Synkretismus von Seins- und
Sollens-Betrachtung. Die Fiktion des „Staatsvertrages". Ihre Entbehrlichkeit
vom Standpunkte des Rechtspositivismus.
V. Die Souveränität der Rechtsordnung. Die Unabhängigkeit des Rechts
von der Moral. Der angeblich fiktive Charakter dieser Isolierung. Die „prak-
tischen" Fiktionen Vaihingers. Die Rechtsnorm und die Rechtspflicht keine
Fiktionen.
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