A filosofia marxista, desde que surgiu, convenceu muita gente de que as condições materiais da existência humana, isto é, a infra-instrutura econômica, determinam o modo de pensar e agir do indivíduo, isto é, a super-estrutura, e, por extensão, a maneira de nos organizarmos em sociedade. A mudança dessas condições, submetida inexoravelmente às "leis" dialéticas da história, culminaria no advento da sociedade sem classes, na qual cada um seria absolutamente livre para desenvolver as potencialidades inerentes à natureza humana. É claro que tais "leis", ao contrário das leis naturais, que regem o mundo físico, precisariam de uma mãozinha do proletariado e, por conseguinte, daqueles que vaticinam a exploração crescente desta classe pelo sistema capitalista, vale dizer, dos agitadores e propagandistas, ditos intelectuais de esquerda, progressistas ou orgânicos.
Bernardin explica como essa estratégia, diante do fracasso do comunismo, se alterou, incorporando as conquistas do capitalismo à luta revolucionária, mediante a intrumentalização das inegáveis virtudes do liberalismo econômico e político. O esquerdismo, desde então, reconheceu que a verdade se encontra exatamente no oposto da tese de Marx: a vida espiritual, o mundo dos valores*, determina a maneira como os indivíduos encaram a vida material e agem em sociedade. Todavia, os epígonos de Marx não se deram por vencidos. Gramsci**, agora, é o guru da revolução, que, como já preconizava Marx, teria que se dar em escala planetária. Os capitalistas, ou melhor, os meta-capitalistas, que já acumularam tudo o que podiam acumular, podem financiar, e financiam mesmo, essa revolução da revolução, que corre silenciosa e procede de cima para baixo, subvertendo radicalmente a antiga ordem: não reivindica mais os meios de produção material, que podem perfeitamente ficar nas mãos da burguesia, mas se move, sorrateiramente, no campo impalpável e volátil da cultura. Seu propósito é a posse definitiva dos meios de produção intelectual, a partir dos quais somente é possível moldar, como um demiurgo invisível e inominável, cuja face se acomoda a qualquer máscara, as mentes e corações dos mortais. Trata-se de um, e o único, deus pagão onipotente que se nutre do caos e o controla pragmaticamente, de modo que daí resulte um cosmos estratificado em níveis de realidade, o mais alto dos quais completamente ignorado pelos indivíduos, que ficam aprisionados no nível mais baixo, a caverna platônica, não porque a luz da verdade os ofusque, mas porque já foram, como Édipo, auto-destituídos de olhos. A linguagem em que se lhe presta culto é o relativismo politicamente correto. O livro no qual sua vontade é revelada à humanidade e sobre cuja autoridade seus sarcerdotes impõem a metafísica ("o pensamento mágico" de uma apocalíptica hecatombe da Mãe-Terra provocada pelo pródigo "Filho-homem" ) e a ética ("o princípio da precaução" que constitui a consciência ecológica) globalistas é a própria natureza, denominada agora "meio-ambiente" e identificada com o Todo (holismo e panteísmo a serviço da reforma e administração do homem). A religião suprema, à qual todas as religiões monoteístas, para serem toleradas, têm que se submeter, chama-se Ecologia.
* Cabe aqui lembrar que o termo "valor" foi introduzido no meio acadêmico a partir do século XIX, provavelmente sob a inspiração de Nietzsche, a fim de marcar, em contraste com os juízos sobre "fatos", o caráter essencialmente subjetivo dos juízos morais, ou seja, dos juízos nos quais ocorrem os predicados "bem" e "mal".
** Gramsci é o tipo moderno de filósofo, um Boécio às avessas: sua Consolatio philosophiae é na verdade uma Inquinatio philosophiae
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