8 de setembro de 2007

OLAVO DE CAVALO X QUARTIM NO QUARTEL

Aspectos da formação do Exército desde a abolição da escravatura João Quartim de Moraes nasceu em São Paulo, em 1941. Foi militante da resistência democrática na década de sessenta, e condenado pela contra-revolução na época do gerenciamento militar. Em 1969, conseguiu exilar-se na França, onde permaneceu até 1981. Regressando ao Brasil, incorporou-se ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade de Campinas – Unicamp.Entre outras obras, escreveu “A esquerda militar no Brasil”, uma contribuição à história militar e à do principal órgão do Estado, o Exército. Utilizando-se de métodos científicos de análise e investigação, Quartim de Moraes identifica movimentos que podem ser considerados progressistas, entendidos em suas épocas e circunstâncias determinadas, a exemplo de setores do Exército que adotaram posições militantes para extinguir o escravismo, e as atitudes dos militares frente aos ideais republicanos ou as rebeliões, nos anos 20 e 30, contra o poder das oligarquias agrárias. Participação dos Tenentistas na revolução de 1924 AND – Como o senhor caracteriza a formação do Exército Nacional, da proclamação da Independência à proclamação da República, incluindo os vínculos com as classes dominantes da época? QM - No processo de formação do Exército Nacional, no período da independência à proclamação da República, as forças armadas brasileiras estabeleceram determinadas relações com as classes dominantes da época. Eu desenvolvi, em alguma medida, o argumento de que o Império havia encarnado, do ponto de vista da retórica institucional, o princípio da unidade nacional. Evidentemente, os argumentos do Duque de Caxias, e de outros, que foram esmagando rebeliões, e alguns progressistas, realizando esta obra de unificação do poder estatal imperial, não são retórica. Elas abalam, mesmo. Nesse sentido, há um processo complexo que segue o seguinte esquema: tudo aquilo que favorecia a centralização do poder de Estado favorecia a unidade nacional, portanto, era progressista. E aquilo que é contra, numa análise simplista do primeiro momento da formação nacional, é que o Exército imperial realiza essa obra unificadora, e realiza com meios armados. Isto é, realiza quebrando toda forma de movimentos centrífugos, fossem eles progressistas ou retrógrados. Nós tivemos muitos levantes, no Rio Grande do Sul e Canudos, que têm um mínimo de ambigüidade. Mas, é evidente que retemos como mais importante o de Canudos, porque é o elemento da rebelião dos oprimidos de sempre, dos humilhados, dos proletarizados em todas as dimensões, naquela análise que consistia em buscar um refúgio, uma base, em regiões onde o latifúndio tradicional não conseguia impor a ordem, e teve que apelar para o poder central. Partindo da tese de muitos de nossos irmãos sul-americanos de que a Guerra do Paraguai teve o objetivo histórico de aniquilar um poder emergente que se desenvolvia às costas do Brasil e da Argentina, destruí-lo era um projeto visto com simpatia, também, pelo imperialismo inglês, na medida em que a contestação que, de imediato, tinha por objeto a maior força hegemônica brasileira e Argentina. O Paraguai era, no limite, um poder independente, e até com características antiimperialistas. Não interessava a ninguém que este poder existisse ou se consolidasse. Daí a posição da Inglaterra em relação a isso. Coluna Prestes junto ao marco da fronteira Brasil-Paraguai AND – A Inglaterra interferiu seguidamente nos movimentos progressistas no Brasil, particularmente naqueles que tendiam a se alastrar pelo Continente. A intervenção inglesa, num sentido geral, visava garantir uma ordem, e essa ordem era oferecida pelo Estado brasileiro, em contraste com a anarquia imperante entre nossos vizinhos, em que não houve um fator de unificação forte durante a luta de libertação da colonização espanhola, não por acaso, associada a Simon Bolívar. Depois, os fatores centrífugos prevaleceram. Isso não é bom, mas, também, não interessava aos ingleses muita bagunça. Grande parte dos horrores que ocorrem, ainda hoje, na África subsaariana, são conseqüência do modo como os ingleses, de maneira torpe, jogaram umas etnias contra outras. A polícia era de tal etnia, então baixava o cacete na outra. Não era só a questão de plantar ópio na Índia para vender à força na China. A Inglaterra é mestre nisso. AND - O Exército não chegou a desenvolver uma grande militância contra a monarquia. A República foi um ato progressista. Esse ponto de vista destoa frontalmente da historiografia liberal, e alguns tiraram a máscara como José Murilo de Carvalho, que escreve sobre o Senado do império, e que diz que o povo assistiu bestificado à Proclamação da República no livro “Os bestializados”. Ele pega nesse aspecto de que foi um processo conspirativo e de que não havia uma dinâmica de massa pela República, como havia tido uma certa dinâmica no movimento abolicionista. Foi um pouco diferente. Sou muito tributário dos escritos de Werneck Sodré. Fato decisivo na Guerra do Paraguai, uma guerra imperialista, foi uma agressão que o Brasil e a Argentina praticaram para aniquilar o Paraguai. Naquela guerra, como os filhos de fazendeiros não iam querer tomar tiro, pegar febre e morrer, houve, como se sabe, o recrutamento de escravos para servir de tropa, de carne para canhão, etc. Mas, isso criou um laço forte entre o Exército e os negros, de modo que não é por acaso o nascimento do Clube Militar. Em boa medida por causa da Guerra do Paraguai, mas, também, partindo da unidade nacional, o Exército não teve uma militância contra o império tão importante quanto teve contra a escravidão. O Clube Militar surgiu e em seu primeiro ato, fundamentalmente, recusou-se a servir de papel ignóbil, de capitão do mato, e isso foi um ato abolicionista, de modo que o Exército tem origens progressistas. O mais importante nisso tudo é que a classe dominante num país colonial, onde o modo predominante de produção de riquezas era a escravidão, era a de senhores de escravos. Ora, o Exército estava contra os senhores de escravos. Nesse sentido, isso é democrático, sem nenhuma dúvida. Mas, também, tinha um sentido nacional. Aquela história que atribuem ao Floriano parece verídica, de modo que o primeiro presidente progressista que o Brasil teve foi Floriano. Os liberalóides não concordam. Enquanto havia escravidão, os bancos só aceitavam escravos como garantia para empréstimos. Era um tal Silveira aliado com o Gumercindo Saraiva, um caudilho, e, nessa luta, o Floriano representou a unidade republicana: o Brasil contra o restauracionismo monarquista e a secessão que vinha pelo velho partido escravocrata do Rio Grande do Sul, derrotado pela abolição e depois pelo golpe republicano. Dizem que aí a esquadra inglesa tentou intervir. Estava parada ao largo do Rio de Janeiro e mandaram consultar como é que seriam recebidos: mandou um estafeta consultar o governo. E ele respondeu que seriam recebidos à bala. AND – De onde Suplicy tirou mesmo aquele discurso, elogiando Prudente de Morais? É curioso! Em Piracicaba, num jornal, o prefeito fez várias homenagens a Prudente de Morais e citava um discurso vibrante do senador Suplicy, elogiando Prudente como democrático, e o primeiro presidente eleito do Brasil. Uma ignorância pasmosa, porque, com o Prudente de Morais, começa o “café com leite”, a República carcomida. É incrível o reacionarismo ideológico dos dirigentes petistas, ou de boa parte deles: “O grande piracicabano foi eleito com tantos votos”, mas todo mundo sabe que aqueles votos eram a bico de pena. E o ignorante do Suplicy não sabe? Os petistas fazem causa comum com o liberalismo mais reacionário. A demonização dos militares daquele período alimenta o confusionismo entre essa e aquela geração militar. A primeira, formada naquela escola de ditadores pelos gringos no quadro da guerra fria, que é uma outra coisa, uma outra geração. Werneck Sodré destaca que o Exército podia cumprir ordens, mas, vivia em tensão constante. Um levante, nós podemos dizer, uma guerra civil larvar no Brasil, começa com as “salvações” e vai até 35, se juntarmos tudo. Então, são 25 anos de guerra civil larvar. Salvações, do Nordeste até o Sul, eram levantes antioligárquicos em sua boa maioria. E o Exército estava dividido. O Exército era um aparelho que não chegava a se consolidar como aparelho. AND – Por que Missão Francesa e não a Alemã para instruir o Exército brasileiro? Chamar a Missão Francesa foi um fato histórico concreto. Havia duas possibilidades: chamar a Missão Alemã ou a Francesa. Com a guerra de 14, a questão ficou em suspenso. A França enfrentou o pior peso da luta contra a Alemanha. Foi o teatro de guerra mais violento, mais terrível. A frente russa foi horrível também, mas, a grandiosa Revolução de Outubro e o trabalho dos bolcheviques na frente foi um trabalho absolutamente sem precedentes na História universal, porque, trabalhar numa frente de combate para fraternizar um soldado que está atirando no outro é um dos auges da História da Humanidade. E bem sucedido. Eles não eram “fala macia”, porque na hora que os oficiais tzaristas tentavam prendê-los, fuzilavam os oficiais. Com a vitória de 19, começam as negociações. Tudo muito rápido porque os franceses tinham armas para vender. Nesse momento, todos são mercadores. Então, os generais que vinham aqui eram garotos propaganda de canhão, avião. Eles enfrentaram uma concorrência americana muito forte. Mas, eu acho que, nesse período ainda, o Exército está absolutamente indeciso. Tanto que o Exército manteve-se coeso para derrotar a contra-revolução paulista de 32 — ou melhor, a contra-revolução em São Paulo, embora os paulistas tenham sido massa de manobra — e os elementos mais reacionários do Exército, como, por exemplo, aquele Bertoldo Klinger, um dos piores perseguidores da Coluna Prestes. Os elementos progressistas eram muito fortes no Exército. Nunca prevaleceram, exatamente, porque havia uma contradição objetiva entre o Exército, um aparelho nacional centralizado, e o poder da oligarquia que tinha base regional e local, muito bem explicado por Sodré. AND – É Getúlio que aparece como o criador da Petrobrás... Mesmo os Jovens Turcos, a ala direita da reforma militar, eram centralizadores, fora algum pau mandado de fazendeiro. Mas, em geral, havia uma dinâmica em que todos eram pela centralização. Isso está expresso nas posições até do Bertoldo Klinger. Era uma tendência de reforma, uma reforma organizacional do Exército, e, muito claramente, ele diz: “Nós somos o baluarte, a última reserva do Estado, o Estado central, numa época de conturbações, etc”. Havia uma esquerda e uma direita. A direita eram os Jovens Turcos e a esquerda eram os tenentes. Havia um aparelho que lutava pela sua afirmação e, portanto, pela centralização do poder estatal. Tirando os preguiçosos, os corruptos e burocratas, as tendências políticas atuantes eram, por um lado, o tenentismo, que pode ser considerado a ala esquerda, já que esquerda e direita são posições relativas no espaço político. Apareceram várias outras tendências políticas, também. Algumas católicas, com o Juarez Távora, que se reduziu ao catolicismo. Outros são positivistas, e o positivismo era usado de maneira crítica, como uma ferramenta de consolidação do Estado, uma ferramenta da revolução burguesa, mesmo. Não por acaso, muitos positivistas avançaram até o comunismo, como Leônidas, dono do jornal “A Nação”, que cedeu o jornal ao Partido Comunista, em 1926. A oligarquia gaúcha se tornou força dirigente, núcleo, de uma revolução de 30 que tentou promover uma industrialização autocentrada: siderurgia, e, depois, o petróleo. Graças, não à iniciativa direta do Getúlio, mas, à dinâmica do movimento comunista. Graças ao movimento comunista a Petrobrás foi criada, nós sabemos disso. Em 32 a oligarquia gaúcha prometeu se aliar aos paulistas e depois pulou fora. São contradições, mesmo. Mas, na verdade, dizem que a oligarquia gaúcha tinha uma base econômica mais no timbre nacional, que aqui não tinha, porque, no Rio Grande do Sul, o principal produto era para o mercado nacional, que era o gado, diferente da posição de São Paulo, que produzia para o exterior e estava desprezando o resto do Brasil. O fato é que a lógica da economia do RS era voltada para o mercado interno. Isso talvez explique o sentido nacional, um interesse nacional dessa oligarquia gaúcha, que a paulista não tinha. AND – Na essência, como se explica o caráter democrático do Tenentismo. Aliás, a vida e a morte do Tenentismo? Os tenentes tinham um projeto, já naquela época, moralizador... Era a ideologia deles: a honestidade. Hugo Chávez repete várias vezes: “moral y luces”. Usando aí a dialética hegeliana, o conteúdo ultrapassa a forma. O conteúdo do que ele está fazendo, vai além da forma. A forma ainda é acanhada, mas, o conteúdo é mais forte. A classe dominante no século XIX até a abolição, era a dos senhores de escravos. Com a abolição e o aumento da ocupação territorial, a classe dominante passou a ser constituída pelos donos de grande superfície de terra, obtida, na maioria das vezes, pela grilagem, num processo violento. Não foi na base do cartório de títulos, mercado imobiliário, etc., como eles falam. Os interesses históricos políticos são semelhantes àqueles revelados pelo feudalismo antigo, que não tinha um poder central demasiado poderoso para contrabalançar os interesses dos senhores feudais. Não conviviam com um poder estatal que pudesse afetar seus interesses. Ao mesmo tempo, essa política não é intrínseca à posição da oligarquia brasileira, semifeudal. Ela não tem uma política, uma relação com o exterior, já predeterminada. Essa política é muito dependente da exportação financiada, ou mesmo, coloca seus lucros nos países imperialistas, que é o que ocorre, hoje — como toda essa oligarquia semifeudal nos países árabes, que usufruem a renda diferencial do petróleo, mas é uma camada pró-imperialista. Em 1930, a idéia de interesse nacional passa a prevalecer, porque a revolução não foi social. Até houve uma dinâmica de revolução social, em 30. Entraram nas casas dos ricos, jogaram seus objetos pelas janelas. Houve a revolução do povo. Foi sentida pela massa do povo uma mudança: que os ricos, os arrogantes de sempre tinham caído, a substituição de uma política por outra com o alargamento da base social, ou das origens sociais daqueles que exerciam o poder político. AND – O anticomunismo parece ter apunhalado o Tenentismo. Mas, há razões na ordem econômica e política que estimularam a reação. O Tenentismo participou dos três primeiros anos da Revolução de 30, e, depois, foi alijado, enquanto Getúlio procurou novas bases sociais, novas mudanças, que, depois, incluem o mundo do trabalho, até pela fragilidade da burguesia. Até 30, prevalecia o poder da “Política dos Governadores”, dominado por São Paulo e Minas. O governo central foi o centro de gravidade da política estadual, cuja linha principal, até então, era a de que “o Brasil é um país de vocação essencialmente agrária”, portanto, teria que agradar aos imperialistas também. Isso muda em 30. E é isso que a universidade paulista, os intelectuais a soldo da ordem estabelecida, desde Boris Fausto, até Wefort — todos eles, cuja especialidade sempre foi a de denegrir o movimento comunista e o getulismo —, oferecem uma visão do Getúlio deturpada, porque consideram apenas o ano de 37. Mas, com que fúria a reação imperialista e seus agentes internos, esses neoliberais, vão em cima daqueles direitos outorgados. Getúlio foi um obstáculo. Para os comunistas, era uma demagogia, uma tentativa de manipulação dos trabalhadores. AND – Esse anticomunismo retoma, hoje, nas formas de um partido de massas, um antipartido. João Goulart, por exemplo, chegou a ser ministro do Trabalho, em 54, e, praticamente dobrou o salário mínimo. Jamais Lula — eu votei nele no segundo turno — e a equipe econômica do PT teriam coragem de aumentar em 30 % o salário mínimo. E são esses dirigentes petistas, por seu anticomunismo aprendido na Igreja, que tentam denegrir o comunismo. Dizem que isso é um horror totalitário. Isso é um dos aspectos mais preocupantes para quem deposita alguma esperança no PT, e mais sintomático para quem não guarda nenhuma ilusão frente ao PT. É essa interpretação da história do Brasil, segundo a luneta da reação liberal que o PT, por ser um partido liberal ideologicamente — nesse sentido, partido dos intelectuais predominantemente liberais —, congrega comunistas, marxistas, que, sendo minoria, dançam conforme a música. Isso resultará num desdobramento futuro, quando chegar no limite. AND – Foi criada uma imagem diabólica no seio das forças armadas que feriu mortalmente o que de mais progressista havia entre a jovem oficialidade... Essa esquerda, representada pelo Tenentismo deixa de existir, em novembro de 35. Um fato gravíssimo na história. Criou-se esse inimigo por parte da jovem oficialidade, o que é uma derrota política. Agora tem uma parte do problema que o Getúlio faz que é industrializar o país. Uma política de jogo de dinheiro: Volta Redonda em 42, siderurgia. Consegue negociar com os americanos, aproveitando a conjuntura de guerra. Foi um bom negociador, não era um estafeta. Ele era um cara da oligarquia, avançou para posição de revolução nacional como um cara da oligarquia pode avançar, com todas suas contradições Ele vai encontrar um ponto de gravitação burocrático, com a famosa fórmula do Góis Monteiro, que era lembrada pela sua concisão e lucidez: “Chega de fazer política no Exército. Vamos fazer a política do Exército.” Ou seja, a política nacional, do Estado nacional, com métodos fascistas e tal, mas, sabendo bater à direita, que é um pouco o que o Ernesto Geisel fez nos anos 70. AND – Geisel é tido como um “restaurador da democracia”, o que não é certo. As massas nas ruas puseram fim aos massacres, enquanto os pelegos se erguiam sobre as cinzas das lideranças assassinadas. Essa linha, que é retomada na ditadura, continua, no essencial, coiceando. Tanto assim que o Doi-Codi só foi desarmado em 77. Teve aquele ataque desferido contra o PC do B em 76, pesado. Difícil tocar nesse assunto, dado que o PC do B o coloca entre questões sentimentais. Mas, Geisel usou a tortura e depois quebrou a tortura. AND – Parece que, até hoje, não há uma análise da Força Expedicionária Brasileira que satisfaça às necessidades de se explicar cientificamente nossa presença na Segunda Guerra, assim como o combate ao fascismo interno. Foi bastante progressista a participação da FEB na luta contra o nazi-fascismo. Não foi por acaso que vários quadros do Partido Comunista estiveram lá, inclusive o recém falecido Malina. Triste, morreu refém daquele Roberto Freire. Ele e outros. Mas, ao mesmo tempo, aproximação desses Exércitos criou uma posição que, depois, iria se ativar poderosamente com o desencadeamento da Guerra Fria, em 48, que começa em 47 ou 48, não começa antes. E o Exército poderia ser nazistóide, já que Dutra era fascista confesso, integralista e estava bem colocado no poder. AND – Por um instante, no período eleitoral, todos os militares brasileiros pareciam progressistas. Criticavam Alcântara, tratados lesivos aos interesses nacionais. Progressistas existem, sem dúvida. O problema são as medidas a serem adotadas, agora que está tudo tão bem explicado. A revista do Clube Militar, que é a revista do pijama, é histericamente pró-imperialista. Mas, o que eles são agora? Defensores do que foram: o braço armado da repressão. E a ditadura não foi apenas militar, nisso o Werneck tinha razão. Os banqueiros, esse troço. Os militares foram instrumento. É a ditadura burguesa sem componentes liberais no sentido político. Aqui no Brasil, mesmo os mais retrógrados, os mais bandidos, como Médici, não realizaram a política neo-liberal na economia, diferentemente do Vidella, na Argentina e do Pinochet, no Chile. Quando Pinochet estava chamando os “Chicago Boys”, e depois o Vidella — com aquele que seria o antecessor do Cavallo e do Menen, Martinez de Oz —, estava eliminando a burguesia local, constituída meramente de compradores, para não dizer coisa pior. No Brasil, Geisel estava tentando novo ciclo de industrialização pesada. É diferente, e isso é interessante. Mas, há um antimilitarismo cretino, como o do Plínio Sampaio, que colocou com manchete no “Correio da Cidadania”: “Coronel golpista é eleito presidente do Equador.” AND – Nem sempre o antiimperialismo coincide com uma justa posição quanto à questão militar. O antimilitarismo é antiimperialismo, o que não significa repudiar o profissional militar. Ser antimilitarista é uma postura que não entra na questão do antiimperialismo, porque, uma vez antiimperialista, uma atitude pode não ser antimilitarista. Existe uma visão simplória do antimilitarismo, que grassa na esquerda liberal e no PT. Por exemplo: a pretexto da perseguição ao narcotráfico, os americanos mantêm unidades e bases militares na Bolívia e no Peru. O PT tenta esconder a questão de Alcântara. Está querendo empurrar com a barriga. Como imaginar que a maior reserva de água doce do mundo, a maior reserva bioenergética e de formas vegetais, animais, etc., deixará de ser cobiçada de uma hora para outra? AND – O sufrágio universal, nos termos da democracia jurídica, vem sendo defendido ferrenhamente pelos oportunistas. E qualquer administração passa por “governo popular e democrático”, ainda que o povo esteja tão longe do poder. Todas as construções ideológicas dos liberais que tentam açambarcar o direito de definir democracia e erigir o mercado eleitoral americano em modelo de democracia — o que para nós é um modelo de liberalismo — em que os milionários triunfam e as eleições decidem que tendência dos milionários vai assumir os postos dirigentes da máquina estatal norte-americana. Essa democracia não pode se limitar nunca a empobrecer o conceito, limitar ao aspecto institucional. Falar em democracia não tem sentido se não falarmos em governo das massas populares, portanto, no nivelamento, — não aquele nivelamento que o PT pretende fazer com a aposentadoria, tirar direito de todos e jogar tudo na vala comum, a igualdade condicional. Esse negócio de igualdade de condições é um negócio muito usado, historicamente, desde os tempos da democracia de senhores de escravos, que foi em Atenas. Isonomia, igualdade perante a lei. O PT vai atender algumas aspirações básicas. Aqui, agora, é um triunfo eleitoral de um partido que não arrisca ser, sequer, um partido de reformas, porque o capitalismo pode compartilhar reformas. Não reformar as relações capitalistas de produção, mas, melhorar as condições de trabalho, o que nós entendemos por direitos sociais, e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento em larga escala das atividades sindicais, da imprensa e tudo o mais. E acho que a questão decisiva da democracia, hoje, é a criação de uma cultura democrática, ou, como gostam os historiadores liberais, de uma mentalidade democrática. Ora, isso passa pelo controle de meios de informação em larga escala. O que ele vai fazer em relação a essa distribuição de sinais e canais de televisão? Financiar essa gente? Ou será que a gente tem uma perspectiva, mesmo, de abrir espaço para que no domínio midiático haja uma presença de esquerda? Vão levar adiante essa tentativa neoliberal de destruir direitos da maneira mais hipócrita, tomando como pretexto a aposentadoria dos trabalhadores do setor público, nivelando por baixo com a aposentadoria do setor privado? É o igualitarismo reacionário. Em vez de se perguntar como é que vai aposentar o pessoal que anda de jatinho, de helicóptero no final de semana, Guido Mantega já disse que é um absurdo que o trabalhador do serviço público tenha aposentadoria integral, e que o ativo ganhe tanto como o inativo. É um ponto que eles vão atacar para ocultar outros. Isso é um absurdo. É preferível não fazer previsões, mas há três perguntas: 1. Eles vão partir para a ofensiva contra os trabalhadores do setor público? 2. Para quanto eles vão erguer o salário mínimo? 3. O que eles vão fazer a respeito da Base de Alcântara, que tudo indica, é um atentado à soberania nacional?

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