13 de setembro de 2007

DOGMÁTICA SEM ZETÉTICA OU DA ARTE DE RE-DESCOBRIR A RODA

Tá um pouco atrasado, é verdade, mas descobri esta pérola hoje por acaso. Como é o negócio mesmo? Quer dizer que nossos historiadores e sociólogos, uma boa parte dos quais partícipe das ações terroristas contra a ditadura militar, descobriram, depois de longa e árdua investigação, que "a resistência democrática" queria mesmo era implantar aqui uma ditadura do proletariado e não reestabelecer o estado democrático de direito, que, se o golpe militar não ocorresse ou as guerrilhas não fossem contidas, cabeças rolariam, que a sanha revolucionária e a luta armada já faziam parte das "reformas de base" de João Goulart, que se os militares não tivessem tomado essa medida drástica, nós estaríamos vivendo hoje com uma ração diária de soma, enfim, que as intenções da esquerda não eram nada do que alardiavam, pois consideram a democracia e o direito conceitos burgueses que devem ser abolidos,tanto do ponto de vista teórico quanto prático? Esperemos, então, até dezembro para ver o que foi realmente"desaparecido", já que, segundo decreto de Lula, os "documentos do governo federal produzidos durante a Ditadura Militar e mantidos em sigilo pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), serão colocados à disposição pública no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro." Só temo os procedimentos e critérios que serão adotados pelos "dois grupos técnicos formados por profissionais da Abin e do Arquivo Nacional para organizar e classificar as informações produzidas durante a ditadura pela Comissão Geral de Investigações (CGI); pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN) e pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), órgãos da administração federal que já foram extintos". A pantomima esquerdista já está sendo ensaiada para manter à salvo a canonização de nossos destemidos amantes da democracia, mártires da Igreja de Heilig Marx: Documentos considerados "utrasecretos", que possam trazer risco para a sociedade e para o Estado, e aqueles que causem danos à imagem de pessoas, continuarão sob sigilo. A lei que regula a política nacional de arquivos públicos e privados (8.159/1991) estabelece que esses documentos "são originariamente sigilosos". Ciência social no Brasil é isto: o sujeito já sabe, desde o projeto de pesquisa, o que procura. A conclusão da investigação não fecha com um "heureka', mas com um "como expor de uma maneira ideologicamente eficaz a "boa nova". Hipóteses contrárias já estão in limine descartadas em favor da "hipótese de trabalho", a qual não sucumbe a qualquer contrafação pelos fatos nem se submete a qualquer exigência lógico-semântica. Na verdade, a tese, "os resultados da pesquisa" já estão analiticamente contidos na "fundamentação teórica". Não há problema teórico cuja solução se busca, mas uma "realidade social" que é interpretada criticamente, isto é, acomodada ao quadro mental do pesquisador. Não é de se admirar, pois, o fato de que se se aventa uma hipótese contrária a explicação oficial do fenômeno estudado, o debate teórico transforma-se em "bate-boca" Isto explica a repulsa intestinal que eu tinha por história e geografia na época do segundo grau. Já percebera cedo que o que tá num compêndio dessas disciplinas é, em princípio, inquestionável, irrefutável como uma proposição metafísica, com a diferença de que as doutrinas que vc. aí encontra nada esclarecem e tudo confundem. Mas a ciência social brasileira, ao menos, corroborou uma certeza: eu não tinha mesmo que consultar o manual a cada vez que fosse acionar o play do videocassete! Maldita hora que abandonei a idéia de estudar no Cotuca por ficar encantado com livros de filosofia. 31/3/2004............ Assessoria de Comunicação e Imprensa - UNICAMP 64‘FALAVA-SE EM CORTAR CABEÇAS; ESSAS PALAVRAS NÃO ERAM METÁFORAS’, DIZ PESQUISADOR (O Globo - O País - 31/3/2004) 29/03/2004 Resistência democrática, dogma que desaba Estudiosos da ditadura, entre eles um ex-guerrilheiro, atacam crença de que esquerda armada lutava por democracia Um dogma precioso aos adversários da ditadura militar iniciada a 31 de março de 1964 está em xeque. Novos estudos realizados por especialistas no período — alguns deles integrantes dos grupos de oposição ao regime autoritário — propõem uma mudança explosiva, que semeia fúria nos defensores de outras correntes: chamar de resistência democrática a luta da esquerda armada na fase mais dura do regime está errado, historicamente falando. — Falava-se em cortar cabeças, essas palavras não eram metáforas. Se as esquerdas tomassem o poder, haveria, provavelmente, a resistência das direitas e poderia acontecer um confronto de grandes proporções no Brasil — atesta Daniel Aarão Reis, professor de História da UFF e ex-guerrilheiro do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). — Pior, haveria o que há sempre nesses processos e no coroamento deles: fuzilamento e cabeças cortadas. “Ninguém estava pensando em reempossar João Goulart” Denise Rollemberg, mestre em história social da UFF, destaca que o objetivo da esquerda era a ditadura do proletariado e que a democracia era considerada um conceito burguês. — Não se resistiu pela democracia, pela retomada do status quo pré-golpe. Ninguém estava pensando em reconstituir sistema partidário ou reempossar João Goulart no cargo de presidente — diz Denise. A professora explica — e Aarão Reis concorda — que a expressão sequer surgiu no fim dos anos 60, início das batalhas entre militares e terroristas. A “resistência democrática” apareceu na campanha pela redemocratização do início da década de 80, após a anistia que permitiu a volta de exilados como Leonel Brizola, Miguel Arraes e Fernando Gabeira e criou uma clima de conciliação nacional. — A descoberta da democracia pela esquerda se dá apenas no exílio, com a leitura de filósofos e pensadores como o italiano Antonio Gramsci e o entendimento correto das manifestações de maio de 1968 em Paris. Acabou virando tudo uma coisa só — diz ela. A revisão de uma idéia cara à esquerda transformou-se em bate-boca no seminário “40 anos do golpe: 1964-2004”, realizado semana passada no Rio. Professor de filosofia da Unicamp, João Quartim defende que a luta era contra o golpe, pela restauração da democracia. Também ex-integrante de uma organização armada, a Vanguarda Popular Revolucionária, Quartim rejeita o rótulo de antidemocrático. — Lutávamos contra o golpe imposto pela violência ao país. O conteúdo do nosso projeto era levar adiante, com mais audácia, as reformas de base do governo Jango. Quem deu o golpe é que quebrou, pela violência, esse processo. O golpe foi dado pela direita, com o apoio da frota americana que chegou a começar o deslocamento para cá — argumenta Quartim. O período que está na berlinda tem o rótulo de “guerra suja” e aconteceu de 1968 a 1974 — ainda que as paixões indiquem que foi ontem. O mergulho nas ações armadas deu-se a partir de uma dissidência que produziu vários grupos de esquerda, depois massacrados por uma indústria de torturar e matar montada pelo governo dentro das Forças Armadas. Outro participante da luta, o professor de História da UFRJ Renato Lemos, acha que é responsabilidade ética, social, política e histórica da esquerda assumir suas idéias e ações durante a ditadura. — Cada vez mais se procura despolitizar a opção de luta armada numa tentativa de autocrítica por não termos sido democratas. Nossa atitude foi tão válida quanto qualquer outra. Havia outros caminhos, sim. Poderíamos tentar lutar dentro do MDB, mas achávamos que a democracia já tinha dado o que tinha que dar — confirma Lemos. Professora da USP, Maria Aparecida de Aquino pondera que nada é assim tão simples. Para ela, não se pode afirmar que caminho tomaria o Brasil se a luta armada tivesse prosperado. — Era resistência, mas não sabemos se seria democrática porque a esquerda não chegou ao poder — sustenta ela. — Não havia como pensar no restabelecimento do estado de direito sem tirar militares do poder. Quem interrompeu a democracia foram os militares. Aarão Reis discorda. — As esquerdas radicais se lançaram na luta contra a ditadura, não porque a gente queria uma democracia, mas para instaurar o socialismo no país por meio de uma ditadura revolucionária, como existia na China e em Cuba. Mas, evidentemente, elas falavam em resistência, palavra muito mais simpática, mobilizadora, aglutinadora. Isso é um ensinamento que vem dos clássicos sobre a guerra. Disputa entre duas elites a que o povo assistia de fora Professor de sociologia da Unicamp, Marcelo Ridenti argumenta que o termo “resistência” só pode ser usado se for descolado do adjetivo “democrática”. — Houve grupos que planejaram a ação armada ainda antes do golpe de 1964, caso do pessoal ligado ao Francisco Julião, das Ligas Camponesas. Depois de 1964, buscava-se não só derrubar a ditadura, mas também caminhar decisivamente rumo ao socialismo. Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, autor do aclamado “Como eles agiam”, sobre o funcionamento do regime, Carlos Fico chama de ficção a idéia de resistência democrática. Ele também ataca a crença de que a luta armada foi uma escolha motivada pela imposição do AI-5. — A opção de pegar em armas é anterior ao ato institucional. Alguns grupos de esquerda defenderam a radicalização antes de 1968 — garante ele. O professor da UFRJ defende que os confrontos armados eram uma disputa sangrenta entre duas elites — o povo ficava de fora, assistindo aos sobressaltos. www.oglobo.com.br/pais Jornal: O GLOBO Autor: Editoria: O País Tamanho: 935 palavras Edição: 1 Página: 8 Coluna: Seção:

2 comentários:

Orlando Tambosi disse...

A tal ciência social pinça na realidade o que se encaixa aos seus dogmas. Daí o gosto pela ensaística. Pesquisa empírica, nem pensar.

Marcos Alberto de Oliveira disse...

Olha Tambosi, eu at� penso que n�o seja a simples aus�ncia de uma base emp�rica o que impede a realiza�o dessa "ci�ncia que n�o se encontra em lugar nenhum". De dados emp�ricos, as ci�ncias sociais se servem satisfatoriamente (vide os estudos de caso e "pesquisas" como, por exemplo, uma que se debru�a sobre a da feira hippie de Campinas etc.)Elas pecam, a meu ver, seja pela irrelev�ncia te�rica do assunto estudado seja por simplesmente n�o se tratar de pesquisa. O cara delimita um campo tem�tico acerca do qual n�o se levanta qualquer problema te�rico(at� porque isso exigiria dele uma boa erudi�o, que se consegue apenas mediante o estudo da hist�ria da disciplina ou at� de disciplinas afins), mas que lhe d� ocasi�o de "demonstrar" a sua tese, quer dizer, a sua cren�a, que, em momento algum, � posta em d�vida, porque faz parte do seu "paradigma". Enfim, a "investiga�o" j� parte do pessuposto de que o conhecimento j� foi alcan�ado e que o �nico "problema" a ser resolvido � como exp�-lo, exposi�o cuja forma liter�ria pode at� ser o ensaio, mas que revela, no fim das contas, que o estudioso n�o foi movido pela descoberta de alguma inc�gnita e, portanto, comprometido apenas e t�o-somente com a contempla�o da verdade.